Por que razão desejamos e em Fevereiro já não nos lembramos dos nossos desejos?

By Sara Carvalhal - dezembro 09, 2019

Por que razão desejamos e em Fevereiro já não nos lembramos dos nossos desejos?

"- Se conhecesses o Tempo tão bem como eu conheço - disse o Chapeleiro -, não falarias em gastá-lo, como se fosse uma coisa. Ele é uma pessoa. (...) Eu e o Tempo zangámo-nos no último mês de Março... pouco antes de ela enlouquecer..., sabes de quem falo (e apontou para a Lebre de Março com a colher de chá)... foi no grande concerto dado pela Rainha de Copas e eu tinha de cantar (...) Ora bem: mal eu tinha acabado de cantar a primeira quadra - continuou o Chapeleiro -, quando a Rainha deu um pulo e berrou: "Ele está a assassinar o tempo! Cortem-lhe a cabeça!".
- Que selvajaria! - exclamou a Alice.
- E, desde então - concluiu o Chapeleiro num tom de lamento -,  ele não faz nada do que eu lhe peço! Presentemente, estou sempre nas seis da tarde!
Uma ideia brilhante veio à cabeça da Alice:
- E é por isso que a mesa ainda está posta para a hora do chá? - perguntou.
- É, é por isso - respondeu o Chapeleiro com um suspiro." 

(Carroll, L., "Alice no País das Maravilhas").


Quando penso nas resoluções de fim de ano e na passagem de ano, por alguma razão, é esta a imagem que me ocorre: o chá sem fim do Chapeleiro da "Alice no País das Maravilhas".
Vivemos numa cultura cada vez mais centrada no desempenho que parece exigir sempre respostas na ponta da língua, ausências de erro ou performances exímias e sem margem para a dúvida. Apontamos para as novas tecnologias como invasoras nas nossas relações e o ruído dos nossos dias. Corremos com papéis na mão como o Coelho Branco e, como ele, gritamos, "Estou tão atrasado! Estou tão atrasado!".  

O tempo é o que nos permite estar com as nossas pessoas, fazer aquilo de que gostamos ou realizarmo-nos profissionalmente. Chegado o fim de ano, escolhemos a melhor forma de o terminar e entrar no ano novo. O que talvez fique para a última hora, para os últimos minutos, sejam mesmo aqueles doze desejos que trazem à flor da pele o melhor de nós, para nós e para os nossos e que duram... pouco tempo. As possibilidades não têm fim: ir ao ginásio, poupar, fazer aquela viagem, aumentar a família, ter um cão, mudar de país, falar com aquela pessoa, concretizar determinado objectivo profissional, mudar de emprego ou mudar de equipa. 

Como já escrevi aqui, se é para desejar, desejamos em grande e depois, com a realidade, ajustamos.

O que me preocupa, são os desejos que vão sendo adiados ano após ano. Aqueles que são desejados, não têm plano para passar da nossa imaginação para a nossa realidade e terem lugar nos nossos dias.

Por que razão desejamos e em Fevereiro já não nos lembramos dos nossos desejos? Ou, por outras palavras, por que razão eu considero que o Chapeleiro precisa de fazer psicoterapia?


A ansiedade é aquela palavra que todos usamos com frequência, mas que parece nunca ser claro quando é usada num contexto em que passou a ser problemática. O significado e a dimensão que as circunstâncias tomam para cada um de nós, é o melhor critério para sabermos quando devemos procurar ajuda. O "normal" é estarmos bem, independentemente do que "estar bem" signifique para cada um. As vidas, como escrevo regularmente, não têm de ser todas iguais. 

Se deixamos de nos sentir no nosso melhor, porque não procurar perceber a razão?

Na minha fantasia, o Chapeleiro queria cantar no evento da Rainha de Copas, mas nestas circunstâncias, penso que seria natural que sentisse algum medo por muito que o desejasse. É o desejo que nos faz encontrar o caminho, mas é o medo que nos orienta para nos irmos protegendo enquanto o percorremos.

Senhores e senhoras, ei-la: a primeira inimiga dos desejos que gostariam de concretizar, a Ansiedade. De uma forma simplista, a ansiedade é o desejo e o medo de algo, em simultâneo.

Mas à mesa com o Chapeleiro não está só a Ansiedade.


"Ele está a assassinar o tempo! Cortem-lhe a cabeça!"

Reconhecem-na? 

A assistir ao concerto quietinha, caladinha e a observar, a culpa surge em momentos estratégicos ou de maior fragilidade. Foi crescendo ao longo da vida, e dá-se a conhecer muitas vezes nomeando-se de "muito crítica" ou "muito exigente"... mas ser crítico e ser exigente não nos impossibilita de concretizar desejos! Ser crítico e exigente faz-nos olhar e querer fazer mais ou melhor.

Soa familiar?

Entre o medo que superou o desejo e a culpa que cresceu sobre o Chapeleiro, o tempo zangou-se e ele não consegue continuar a desejar, sentindo-se numa situação impossível. Limita-se tremendamente: apenas pode beber chá, não sai da mesa e com muita dificuldade aceita pessoas novas à mesa porque é péssimo para a sua logística.

Claro que faltam mais informações sobre o Chapeleiro para o poder diagnosticar, mas penso que pode demonstrar bem as limitações que a ansiedade coloca no dia-a-dia a muitas pessoas. As perturbações de ansiedade podem tomar diferentes formas e diferentes caras desde o pânico de sair de casa, à presença de pessoas ou sintomas físicos.

A ansiedade toma não só diferentes formas como diferentes dimensões na vida de alguém, mas quando nos impede de desejar ou de procurar concretizar desejos, talvez seja tempo de lhe colocar um limite.

Será este limite um desejo para 2020?



Se quiseres ler mais sobre o desejo e como eu acho que se vais desejar, deves desejar em grande, espreita aqui:
Se é para desejar, desejamos em grande!

Para ler sobre como as vidas não têm de ser todas iguais, segue o link:
Um lugar para pensar

Se ir a um psicólogo é algo que te suscita dúvidas por alguma razão, lê isto:
Quando deves ir a um psicólogo?

Para saberes mais sobre estabelecer limites e gerir o teu tempo sugiro o seguinte link:
A melhor estratégia de gestão do tempo



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